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Análise de Filme: "Precisamos falar sobre o Kevin"

Updated: Apr 20, 2020


Sinopse: Precisamos Falar Sobre o Kevin é a adaptação do cineasta Lynne Ramsay para o best-seller homônimo de Lionel Shriver sobre o difícil relacionamento de uma mãe com seu primogênito, levantando questões polêmicas como "é possível não amar um filho?"; "Será que o caráter de uma pessoa é estabelecido desde o nascimento ou é modificado ao longo da vida?".

Logo no início do filme, nos deparamos com cenas de Eva triste e cansada, mas que não se surpreende ao abrir a porta de casa e ver que as paredes, o chão e o carro estão cheios de tinta vermelha. Ela vive sozinha e tenta se readaptar ao mundo, começando pela busca de um novo emprego.

Esses sentimentos de tristeza e angústia nasceram no passado, na época em que vivia com Franklin e com os filhos Kevin e a irmã pequena. Com o primogênito, Eva nunca se deu bem; desde o nascimento, quando não sabia como lidar com o bebê, até a adolescência, período de comum rebeldia.

Porém, apesar do relacionamento complicado com o filho, Eva não poderia imaginar que, aos 15 anos, Kevin seria capaz de tomar uma atitude tão irracional e imperdoável aos olhos da sociedade, que afetaria diversas outras famílias. Talvez pelo sentimento de culpa, ou até pelo amor que existia dentro dela sem se fazer notar, a mãe não abandona o filho e encara de frente Precisamos Falar Sobre o Kevin foi eleito o melhor filme no Festival de Cinema de Londres de 2011.

O filme apresenta uma família totalmente desestruturada na questão de afetos e sentimentos, destruída pelo silêncio e pela negação da realidade, onde a família não tem uma base constituída em relação a ter um filho. Após o nascimento de Kevin que foi uma gravidez não planejada pela mãe, Eva é uma mãe que não consegue criar um vínculo com seu filho, que apresenta sinais claros de psicopatia. Através disso ela se mostra uma pessoa totalmente desorganizada e desmotivada em ser mãe. A cena na qual ela se posta em frente a uma britadeira em funcionamento com o carrinho de bebê para abafar o choro de Kevin é notória de sua absoluta falta de preparo para ser mãe.

Sua feição de prazer demonstra bem a contradição do sentimento de muitas mães e pais diante do nascimento dos filhos: o amor incontestável pela criança é sempre rondado por um pensamento, muitas vezes inconsciente, de liberdade perdida. Eva sofrera com esse sentimento durante toda a vida. Biologicamente, ama o filho, não há como não amá-lo. Mas em outro nível o sente sempre como um peso, uma tragédia que estragou sua vida. Isso, antes mesmo de perceber com clareza os graves problemas comportamentais do menino. Ao nascer a criança sente a falta de apoio e sentimentos expressos pela mãe, percebe toda a ausência em relação a ele e isso acaba demonstrando uma criança extremamente perdida em relação ao apoio familiar. O erro crucial de Eva, como mãe e ser humano, foi exatamente o de não reconhecer para si mesma que seu filho não era como os outros e que, por isso, nutria por ele uma raiva incontrolável. O problema não é o que ela sente, mas como ela busca esconder dela mesma aquilo que sente. A todo o momento, ela luta para que o filho se torne uma criança normal.

No momento de qualquer sinal de que isso possa acontecer, ilude-se e deixa de encarar a situação de forma realista. Seu instinto materno, um excesso de amor irracional, não a deixa agir diante do que percebe. Em certo nível, ela sabe que o filho apresenta sinais preocupantes, mas deixa tudo encoberto pelo silêncio na esperança de estar errada. Sua fantasia é a de ter um filho enquadrado nos padrões ditos normais. A realidade insiste em mostrar o contrário. Esse ódio misturado ao amor materno só aumenta quando seu filho cresce e começa a mostrar sinais de que realmente não possui nenhum traço de humanidade ou sentimento. Eva, apesar de ter ódio pelo filho que possui, tenta a todo custo tratar a criança como se ela fosse normal. Luta por criar uma relação artificial de amor e carinho, independente dos comportamentos dele, negando até mesmo os seus desejos pessoais. Ela tem vergonha de seu ódio e um medo enorme de ser a culpada pela personalidade do filho. Prefere, assim, não se implicar na realidade e prosseguir deixando toda a sujeira embaixo do tapete. Eva, inconscientemente, teme se responsabilizar por algo sobre a qual ela nunca teve controle. Seu filho nasceu psicopata, desde a infância demonstrando falta de afeto e buscando por benefícios para si sem prever as conseqüências nos outros, e tudo que ela fez foi se calar diante do fato, alimentando ainda mais a personalidade doentia do garoto.

Seu marido, por sua vez, quase não existe. Kevin, ardiloso como todo psicopata, ganha a confiança do pai, que parece viver num mundo encantado em que sua família é perfeita e nada pode abalar o lar. Eva, ao observar o jogo do filho, prossegue esperançosa de que não passa de uma fase. Em nenhum momento os dois conversam seriamente sobre o comportamento errático do menino. Quando Eva tenta abrir o diálogo, seu marido logo a interrompe dizendo que se trata apenas de uma criança normal. A mãe, mesmo sabendo que não, prossegue levando a fantasia familiar adiante. Encarar a realidade seria doloroso demais e quebraria a imagem de família perfeita que o pai passivo insiste em desenhar.

A criança só obtia atenção quando fazia algo errado, e ao perceber isso que Kevin encontra um meio para estar mais perto da mãe. Através disso, o menino foi ficando cada vez mais frio em relação a sentimentos e afetos, coisas que ele não teve em sua família nuclear e que foi desenvolvendo uma psicopatia, talvez por não ter vivido isso ou simplesmente por Kevin estar “gritando” por socorro e ninguém ter percebido, e quando foram notar já era tarde demais. A ausência dos pais, além da psicopatia, talvez fosse o causador da tragédia que Kevin propiciou, mas a falta de amor e cuidados básicos também pudesse ser um fator determinando para que essas causas desencadeassem no menino os comportamentos violentos, levando-o ao extremo, ao cometer um ato de terrorismo e assassinato em massa em sua escola, da irmã e do pai, além de levar sua mãe a ser rejeitada pela sociedade.

Vemos também que na verdade, a frase: “precisamos falar sobre Kevin” está correta, porém, deve ser considerada as frases: “precisamos falar com Kevin” e “Kevin precisa falar”. A situação psicopatológica de Kevin não está diretamente ligada a uma situação ameaçadora como um abuso, ou maus tratos, porém, vemos os comportamentos de Kevin sendo refletidos através de sua mãe ausente de afeto, como um grito por atenção, além de sua pré disposição para psicopatia. O único momento em que há afeto de ambas as partes está relacionada com uma situação de doença de Kevin quando criança, que é logo superada e tudo volta como era antes, e ao final do filme o reencontro de Eva com Kevin preso, em que ela o abraça e questiona o por que dele ter cometido aqueles assassitanos, e ele devolve a pergunta, questionando a se ela ainda não sabia, demonstrando que ele a culpava por não ter dado afeto a ele.

É compreendido que os pais de Kevin foram incapazes de lidar com as angústias e anseios dele por não ter sido desejado, diferente de sua irmã, que era amada e por ele rejeitada.

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